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FDG - FEITOPORDGAUDIO

CORPO & USO, UM POUCO DE TUDO; POESIAS, CULTURA E MODA

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CORPO & USO, UM POUCO DE TUDO; POESIAS, CULTURA E MODA

17.12.11

POETA GUTO


dgaudioprocopio o Poeta

poeta augustoPOETA GUTO

 

Colaboração do poeta, Guto

 

RIO PARNAÍBA


 

O rio Parnaíba segue. A corrente de água vai rápida. A poluição da cidade se faz sentida em plásticos. Mulheres levam e lavam roupas, meninos nus e meninas peladas correm pela beira do rio, eles riem. Adolescentes tecem olhares para adolescentes. Na ponta da beira do rio, surge dona Rita. 

Dona Rita tem 29 anos e mora na beira do rio Parnaíba. Ela tem cabelos lisos negros, olhos grandes arredondados, pernas grossas, canelas finas e raspadas, coxas douradas, rosto de inocência. Usa sandália de couro e tem cintura fina esculpida.

Ela mora com o marido e dois filhos e é bem cuidadosa com a beleza.

De noite os vizinhos se chocam com o amor que vem do seu quarto. Por esse motivo, ela lava a roupa afastada das outras mulheres. E pelo fato de atrair todos os olhares de admiração e desejo, ela atrai inveja. Pro bem ou pro mal, prefere ficar distante das outras lavadeiras. Já insistiu em estar junto, mas elas a ignoram e a olham com desprezo.

Com um pouco de fome, vai Rita trabalhando como dona de casa, fazendo comida (quando tem), cuidando dos filhos, da limpeza da casa, ajudando o marido a catar lixo na rua, ajudando o marido a aguentar a realidade fadada da vida, contanto historinhas de fadas e duendes de outro mundo para os seus filhos, com o peso do olho dos outros nas costas, com o peso do olho dos outros na bunda, nas coxas, vai Rita com o peso das roupas na cabeça, com calos na mão, com a boca carnuda, com a vida torta como a sua assinatura. Lá vai lavar as roupas na beira do rio, mulher de fibra, mãe assídua, com jornada tripla. Multiplicada a outros fatores e motores presentes nela.

Além de viver abaixo da linha da pobreza, Rita, com a saia acima do joelho, até o meio de suas coxas, agacha-se e esfrega uma roupa noutra. “Lavar, lavar, lavar, pra cuidar da casa, da família...” – cantam as outras lavadeiras, longe de Rita. O sol brilha, uma brisa assovia a música. Hoje é quarta-feira. Hoje é dia de Rita. O rio segue e segue belo. Muito mato ao redor e, ao longe, o som das outras lavadeiras cantando. Um som estranho no meio do rio. “Oxe, diacho, o que foi isso?”. Rita pensa, espreita e volta ao seu ofício. As lavadeiras cantam, lavam. A brisa canta, uma sensação de paz domina o lugar, um passarinho passa voando, parecia fugir, mas voava lindamente. Uma flor desabrocha, bem ao lado de Rita, ela não percebe esse fato. Está distraída, concentrada, pensativa (pensando em coisas que eu nunca saberei), linda, com fome, cansada, preocupada com os filhos e com as criancinhas, que viu ontem na TV, morrendo de fome em algum país africano. Coxas douradas molhadas com a água do rio, muito sabão de coco, muita vontade de cortar o cabelo, vontade de estudar, vontade de viver. É Rita levando, lavando, sendo lavada...

Em frente à Rita, uma sombra se forma debaixo d’água. Quando ela percebe, e vai de olho na sombra, um homem branco e nu sai do rio com os braços abertos. Rita, assustada, tenta virar-se e correr, mas ele está perto demais e a puxa pelos pés. Ela cai e bate a cabeça no chão. Debatendo-se, gritando, tenta levantar-se. O agressor, todo molhado, babando e com olhos vermelhos, agarra os cabelos e bate duas vezes o rosto dela no chão. Ela sangra e grita. O homem nu bate pela terceira vez a sua cabeça. Ela já não grita mais, chora. Ele a puxa pelo cabelo da nuca, puxa a vítima para dentro d’água. Antes de desaparecerem no rio, ela grita novamente, uma das lavadeiras ouve seus gritos e entoa o canto das outras lavadeiras para que o som fique mais alto. Rita afunda na água e desaparece. No rio Parnaíba, bolas de respiração flutuam e somem. Rita segue, o rio segue, a vida segue, e é levada, lavada, esquecida. 

 

 

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O CONSERVADOR



O conservador conversa no banheiro
mija sem pegar no pau
dita o erro
aplaude o certo
chega no horário
usa gravata combinando
odeia amoral
o cinto, amarra-o
o cinto está acima do umbigo
em casa não se ouve um gemido
ovo mexido do lado direito do prato
arroz à grega do lado esquerdo do prato
abaixo, ocupando outro espaço,
a salada.
O prato forma um gráfico.

O conservador conserva a fila certa no banco
conserva a burocracia
conserva o seu cargo de última importância?
O conservador em conservas não erra
conserva a norma culta da língua.
O conservador dá risada de quem diz ocêê.
O conservador também diz ocêê?
Em casa, à noite, ele trepa sem meter.

línguavaginacudedo

O conservador mostra o regulamento da cidade
para todos
viverem bem e sem medo.
É preciso conservar o conservador
quando o conservador morrer
é preciso empalhá-lo, passar verniz e fazê-lo totem.
O conservador reza, tem pressa
ele segura em sua mão um terço
na outra mão, ele segura um garfo
e na outra mão, ele segura um copo.
O conservador não revela o que há no copo
é segredo.
O conservador tem três braços
ele é sobre-humano.
O conservador divaga: A moral.
Eu divago: Cara de Pau Brasil.

 

 

 

Escrito por:  José Augusto Sampaio  

Publicado no livro Imagine alguém te olhando do escuro, em 2010

Está à venda no www.agbook.com.br

Mais informações em joseaugustosampaio.blogspot.com

Contato: guto.sampaio83@gmail.com

FaceBook: José Augusto Sampaio